terça-feira, 30 de novembro de 2010

Economiopia

Quem me conhece sabe da minha admiração pela economia e política dos países nórdicos.
Admiração que, no caso, não é reverência, mas tão-somente referência.
Nas minhas leituras de curioso da economia, deparei com um texto em que um economista brasileiro fazia brilhante defesa do regime socioeconômico daqueles países.
Acabei me encontrando com o tal economista.
A decepção que experimentei foi equivalente à que Clarrissa, de Érico Veríssimo, experimentou ao conhecer o seu Paulo Madrigal, que na verdade se chamava Anfilóquio Bonfim.
Eu esperava encontrar um homem sofisticado, complexo, como são, aliás, os regimes dos países nórdicos.
Encontrei um esquerdista sectário, disposto a sacrificar suas teses em nome do apoio ao governo do PT.
Ele me disse: - Se você olhar, sem óculos, com a vista embaçada, vai ver dois grandes campos, apenas dois grandes campos.
Ele se referia aos campos político-ideológicos representados pelo PT, de um lado, e o PSDB, de outro.
Achei estranho que um defensor da social-democracia nórdica se expressasse daquele jeito, tão simplista.
Sim, porque o regime daqueles países tem, sim, uma feição keynesiana, o que agradaria mais aos integrantes do campo do PT; mas tem também um forte ingrediente liberal, na medida em que são tremendamente afeitos à liberdade individual e à valorização do mérito, o que agradaria mais aos integrantes do campo do PSDB.
Disse a ele que via no Brasil algumas pessoas indiferentes à tal da rivalidade dos "dois grandes campos", buscando alternativas mais flexíveis e inteligentes.
Ele desdenhou.
No conto A aventura de um míope, de Italo Calvino, a visão embaçada que tinha do mundo, por força da miopia, afligia o protagonista Amilcare Carruga.
Carruga, porém, era inevitavelmente míope, de uma miopia que os óculos mal conseguiam mitigar.
Por sua vez, a miopia, me pareceu, conforta o tal economista.
O tal economista é míope por opção e, para se orientar melhor, faz questão de tirar os óculos.
Esconjuro.
E, pra você, o que falta dizer?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O terço da terceira via

Torço pela terceira via.
Acredito que o Brasil precisa disso.
Há vida além da rivalidade PT x PSDB.
Vida mais inteligente, acredito.
Marina falou que governaria com o melhor de PT e PSDB.
Governaria também com quem não é PT ou PSDB e que em alguns aspectos cruciais pode estar muito além de PT e PSDB.
Eduardo Campos, no Valor de sexta passada, disse algo parecido.
Marina e Eduardo Campos, além de Aécio, que é maior do que o PSDB, podem desempenhar um papel importante na vida nacional.
Eduardo Campos começou a dar mostras de que não quer ser apenas um presidente formal do PSB e um governador real de Pernambuco; suas entrevistas recentes, na Veja e no Valor, e seu artigo de hoje, na Folha, sublinham sua ambição nacional.
Isso é bom.
Junto com Marina, que na campanha começou a sair do gueto ambiental, e com Aécio, que com sua pré-candidatura a presidente começou a sair das fronteiras de Minas, Eduardo Campos é esperança de terceira via.
Podem atuar juntos em alguns temas sensíveis da agenda nacional.
Acredito que seria bom para o Brasil.
E, para você, o que falta dizer?

domingo, 28 de novembro de 2010

Pactos sem impacto

Toda sociedade deveria se fundar num pacto: ninguém sofrerá privação extrema.
Toda sociedade deveria se fundar num pacto: cada um terá o máximo de liberdade individual e de responsabilidade coletiva.
Toda sociedade deveria se fundar num pacto: tudo se justifica pela vida boa e pela felicidade.
Toda sociedade deveria se fundar num pacto: não se erguerá uma muralha da China entre natureza e sociedade.
Os pactos acima foram lembrados, num domingo, por alguém que, amanhã, não precisa trabalhar.
E, pra você, o que falta dizer?

sábado, 27 de novembro de 2010

Democracia de menos

A democracia é mais democracia quando está de bem com o republicanismo.
Estar de bem com o republicanismo significa: transparência e prestação de contas; liberdade de expressão; respeito das autoridades à lei; equilíbrio, independência e boa articulação entre os poderes constituídos; meritocracia.
Mas a democracia também é mais democracia quando está de bem com a criação de oportunidades socioeconômicas para os cidadãos.
Estar de bem com as oportunidades socioeconômicas para os cidadãos significa: baixo desemprego ou pleno emprego; bons serviços de saúde, segurança e educação para todos; redução das desigualdades de renda; efetiva equidade no exercício dos direitos, independentemente de raça, sexo, orientação sexual, idade, religião etc.
As sociedades que mais conseguiram satisfazer os dois grupos de demandas da democracia são as do norte da Europa, sobretudo as escandinavas.
Há outras que também não ficam muito mal na fita, como, por exemplo, a democracia neozelandesa, apesar da situação inferior dos maoris em relação à parcela branca da população.
Não são sociedades perfeitas.
Longe disso.
Nem faria sentido tentar transpor acriticamente as experiências dessas sociedades.
Trata-se apenas do seguinte:: no torneio para realizar as principais tarefas da democracia, elas estão bem posicionadas, e podemos aprender muito com o seu relativo sucesso.
No Brasil, porém, ou elogiamos regimes de países em desenvolvimento que sacrificam as tarefas republicanas da democracia ou elogiamos a democracia do mais desigual e violento dos países ricos, a saber, os Estados Unidos.
Pelo menos, é assim que se comportam muitas pessoas que se envolvem mais ou menos com a política.
É lamentável esse extremismo que põe em oposição os que apoiam ou toleram figuras como Chávez ou Ahmadinejad e os que apoiam ou toleram indiscriminadamente os governos dos Estados Unidos, não importando se são governos bons ou ruins.
E, para você, o que falta dizer?

O coro pró-Coreia

Faço parte do coro pró-Coreia.
Não me refiro a nenhum apoio a qualquer coisa que tenha a ver com a tensão entre as Coreias, ou entre a Coreia do Norte e parte do resto do mundo.
Refiro-me ao esforço qualificado que a Coreia do Sul fez para realizar a convergência do seu nível de renda per capita com os dos países mais ricos do mundo.
Esforço, diga-se de passagem, largamente bem-sucedido.
Quais as bases desse esforço?
Educação de boa qualidade em massa, investimento em pesquisa e montagem de parque industrial visando à competição internacional.
Faço parte do coro pró-Coreia porque é notável que uma sociedade se erga com tanta determinação e por tanto tempo em torno de um objetivo tão nobre; e é notável que não somente o país tenha atingido o objetivo traçado, mas também que os cidadãos coreanos tenham, de um modo geral, colhido os frutos desse sucesso.
Faço parte do coro pró-Coreia porque nós, brasileiros, temos muito a aprender com essa lição de esforço qualificado.
Sim, eu faço parte do coro pró-Coreia.
Mas sou possivelmente um corista desafinado.
Quero que o Brasil aprenda com o sucesso coreano.
Quero, porém, que o Brasil aprenda igualmente com as dificuldades enfrentadas pelos coreanos.
O esforço qualificado dos coreanos lhes trouxe muita prosperidade econômica e certamente muitos benefícios de ordem subjetiva.
Entretanto, trouxe também a expansão da depressão e do suicídio.
As causas disso são, logicamente, complexas; mas estão inequivocamente associadas ao bem-sucedido esforço de convergência.
A expansão da depressão e do suicídio foram talvez o preço mais alto pago pelos coreanos para alcançarem o sucesso nesse esforço.
Nós, brasileiros, tivemos bons resultados socioeconômicos nos últimos anos, mas estamos aquém de uma agenda ousada e qualificada, à maneira daquela elaborada e executada pelos coreanos, voltada à convergência.
Precisamos dessa agenda.
Contudo, não podemos esquecer: precisamos também manter a alegria de viver.
E, para você, o que falta dizer?

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Rio de problemas

Muita gente diz: o problema do Rio é o tráfico.
Outros dizem: é o fuzil na mão do traficante.
Já outros: a falta do Estado.
Convenhamos: o crime no Rio é particularmente forte por conta de sua capacidade de angariar apoio social e arregimentar e manter seus membros.
Falta do Estado?
Sim, é verdade.
Mas precisamos ampliar a visão.
Um Estado que concorra com o crime e que derrote o crime tem que ser um Estado forte.
Estado forte é Estado baseado em sociedade economicamente forte.
A economia do Rio é forte?
Me refiro, lógico, às atividades econômicas praticadas dentro da lei.
Na Folha de hoje, um estudioso fala da força econômica do crime no Rio.
A sociedade do crime é economiamente forte.
Decorre daí sua capacidade de angariar apoio social e arregimentar e manter seus membros.
A sociedade legal, a sociedade do bem precisa também ser economiamente forte.
Isso é óbvio, mas nunca vi ninguém falar que o Rio legal e pacífico precisa ser economicamente forte se quiser derrotar o Rio ilegal e violento.
Como construir uma sociedade legal economicamente forte no Rio de Janeiro?
Esse, sim, é um problemão.
E, para você, o que falta dizer?

Força estranha, texto estranho

Comecei a estudar literatura pra valer com 26 anos de idade.
E comecei bem, estudando Machado e Pessoa.
Li obras críticas e teóricas que tratavam desses autores; porém, mais que ler sobre Machado e Pessoa, li um e outro com paixão e zelo intelectual.
Aos 16, na falta de dinheiro para sair de férias, havia passado um janeiro inteiro em Brasília.
Como forma de ocupar meu tempo, li obras literárias; como tinha muito tempo, li muitas obras - de Shakespeare, Molière, Stendhal, entre outras.
Mas, por limitações de vocabulário e ausência de intimidade com o texto literário, entendi muito pouco do que li.
Apesar disso, de algum modo, eu senti, ou julguei sentir, a força daqueles livros.
Foi essa mesma força que experimentei dez anos mais tarde com Machado e Pessoa.
E ela retornou no contato com Sófocles, Eurípides, Calvino, Rosa, Graciliano, Clarice, Mann, Borges, Baricco, Carrèrre.
E transbordou da leitura para a vida.
Há pouco tempo, depois de concluir o doutorado em Teoria Literária, decidi dar um tempo das obras literárias e me dedicar à leitura de livros de História, Economia e Política.
Leio também  todos os dias pelo menos um jornal, do Brasil ou daqui dos Estados Unidos.
Tenho meus motivos para haver abandonado a leitura de obras literárias, que, para todos os efeitos, continuam válidos.
Mas quando leio sobre o Império Romano, ou a história política e econômica da exploração, comercialização e aplicação do petróleo à vida moderna, ou o conceito de vantagem comparativa, ou a formação da equipe de Dilma, ou as agruras de Obama, ou o sistema partidário brasileiro - em nenhum desses momentos, em nenhuma dessas leituras, eu sinto aquela força.
Uma força cuja falta eu decidi por ora suportar.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A fauna aflora

Ninguém ganha eleição presidencial no Brasil sem fazer acordos.
Ninguém governa no Brasil sem fazer acordos.
O PT fez seus acordos.
O principal parceiro do PT é o PMDB.
O PT, para governar, precisa do PMDB.
Fazer acordos significa fazer concessões, ceder.
O PT precisa fazer concessões ao PMDB.
O PT precisa ceder cargos ao PMDB.
Tem gente que acha que os dois mandatos de Lula foram tão acanhados ou mesmo decepcionantes na saúde, educação e gestão ambiental porque o PT fez acordos.
Tem gente que acha que o mandato de Dilma se anuncia tão acanhado ou mesmo decepcionante na saúde, educação e gestão ambiental porque o PT fez acordos.
Em ambos os casos, acredito, estão enganados.
O PT foi acanhado e decepcionante e promete ser acanhado ou decepcionante na saúde, educação e gestão ambiental por causa das limitações do próprio PT.
O PMDB já foi uma legenda minimamente decente.
Mas se tornou um aglomerado de parasitas.
O PT já foi um partido decente.
Mas se tornou um punhado de maníacos pelo poder.
O PT e o PMDB já foram muito diferentes do que são hoje.
O PT e o PMDB já foram muito diferentes um do outro.
Hoje mais se parecem do que diferem um do outro.
Irão brigar por espaço no governo?
Normal.
Assim acontece com os semelhantes - os semelhantes frequentemente se tornam rivais.
Assim foi com os irmãos Caim e Abel.
Assim foi com os gêmeos do romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, que disputavam a mesma Flora.
PT e PMDB, malgrado algumas diferenças, são espécimes da mesma fauna.

Conhece a tal CSS?

Não sou contra, em tese, a implantação da Contribuição Social para a Saúde, a CSS, tributo com as mesmas características da CPMF.
Sou até bem simpático à ideia de um tributo voltado exclusivamente ao financiamento da saúde pública.
Sei também que estudos comparativos indicam que, em relação aos sistemas públicos universais de saúde que vigoram em outros países, o nosso SUS é subfinanciado.
No entanto, defendo que, antes de implantar esse tributo, duas questões específicas sejam examinadas:
a) o Estado brasileiro não poderia, a partir de uma análise de prioridades orçamentárias, cortar na carne de outras rubricas e transferir mais recursos para a saúde, levando-se em conta que a carga tributária no país já é bastante elevada?
b) adianta aumentar gastos em saúde no contexto das atuais práticas de gestão e prestação de serviços, sabidamente ineficientes e menos resolutivas, ou seja, menos capazes de resolver problemas de saúde do que deveriam ser?
E, pra você, o que falta dizer?

Uma pobre abundância?

Abundância de recursos naturais de extração fácil e comercialização bem-sucedida induzem à acomodação e ao desperdício.
Bem entendido, induzem; ou seja, não conduzem, necessariamente, à acomodação e ao desperdício.
Mas, apesar de ser tão-somente fatores de indução, é bem forte e não é nada fácil escapar a sua pressão pró-acomodação e pró-desperdício.
A abundância dos recursos naturais atuou desde sempre como um fator de relevo em nossa economia.
No início foi, como se sabe, o pau-brasil.
Depois, a cana-de-açúcar.
É claro que os engenhos dependiam de conhecimento científico e aparato tecnológico; dependiam também capital vultoso.
Porém, não se pode desprezar o papel exercido pela abundante oferta de terras especialmente férteis para o cultivo da cana.
Houve ainda o ouro, o café, a borracha.
Há, hoje em dia, o agronegócio.
Há também o ferro.
Há ainda o petróleo - extraído da terra, do pós-sal, do pré-sal.
Acomodação e desperdício podem ser resumidos em um termo: parasitismo.
E o parasitismo tem uma de suas expressões clássicas na corrupção.
O Brasil produz muita riqueza - graças à competência da Embrapa, da Vale, da Petrobras.
Isso significa riqueza na agropecuária, na mineração, na atividade petrolífera.
Certamente, não é só aí que o Brasil é competente e próspero.
Mas esses três domínios são fundamentais.
E, malgrado toda a competência técnica e gerencial envolvida nesses três domínios, a abundância de recursos naturais desempenha em cada um deles papel de destaque.
Isso não é necessariamente ruim.
Repito, porém: quando isso ocorre, a pressão pró-parasistismo e pró-corrupção é enorme.
Eu creio que examinamos pouquíssimo uma questão: em que medida os sucessos atuais do país na produção e comercialização de bens que dependem enormemente da abundância de recursos naturais está nos conduzindo ao parasitismo?
Creio igualmente que examinamos pouquíssimo uma outra questão, correlata à primeira: em que medida os sucessos nessas atividades, sobretudo a agropecuária, não estão causando a depleção irresponsável e insustentável dos nossos recursos naturais?
E, pra você, o que falta dizer?

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pedido nu: de um Manu à Dilma

Prezada presidente Dilma,

Peço à senhora que dedique o seu mandato a uma causa:
educação-educação-educação-educação.
Repare que não lhe peço que dedique o seu mandato à educação, mas sim à
educação-educação-educação-educação.
Educação é só mais uma coisa.
Educação-educação-educação-educação é uma causa.
A senhora tem muita coisa para resolver, muita coisa para cuidar.
Mas lute principalmente pela vitória de uma causa:
educação-educação-educação-educação.
Eu falo muito sobre isso, mas eu sou apenas o autor de um blog mixuruca.
Há muitos estudiosos que falam sobre isso, com mais brilho e propriedade, mas são apenas um punhado de estudiosos.
Há um senador que fala muito sobre isso, mas é apenas um senador.
Há professores que vivem isso, mas são apenas professores.
A presidente eleita é a senhora.
A senhora é a presidente eleita, e isso faz toda a diferença.
A senhora pode determinar que, na semana que vem, o gabinete de transição realize uma reunião com um tema:
educação-educação-educação-educação.
A senhora pode montar um programa de ações e metas capazes de iniciar uma grande transformação na qualidade do nosso ensino.
Uma transformação que irá se completar nos próximos 15 ou 20 anos, mas que deve começar já.
A senhora pode mobilizar políticos, gestores e professores.
A senhora pode mobilizar a nação.
Não importa se esse não foi o seu mote de campanha.
Campanha é campanha, governo é governo.
Faça, presidente Dilma, um governo melhor do que a sua campanha.
A senhora tem acesso a excelentes marqueteiros, e nenhum especialista vai se recusar a ajudá-la.
A senhora tem o poder de agir e se quiser pode explicar, convencer, seduzir.
Porque educação-educação-educação-educação só funciona quando é uma causa de todos, ou pelo menos uma causa de muitos e muitos e muitos.
Eu não votei na senhora em 2010, votei nulo.
Não pretendo votar na senhora em 2014, nem em ninguém do seu partido, nem em ninguém com quem a senhora esteja aliada.
Mas eu mudo o meu voto - fácil, fácil - e tenho certeza de que muitos que não votaram na senhora mudarão também, desde que a senhora se dedique a uma causa:
educação-educação-educação-educação.

Atenciosamente,

Manoel Rodrigues.

Cômputo negativo

Reportagem deste domingo do New York Times renova alerta acerca de mau desempenho escolar dos jovens, advindo de uso excessivo e mal gerenciado do computador e do celular.
O texto traz cinco mensagens principais:
a) o uso excessivo se caracteriza por uma duração equivalente a várias horas diárias, nos dias úteis, e aproximadamente o dobro dessas horas, nos fins de semana; o uso mal gerenciado, por sua vez, caracteriza-se pela realização de diversas tarefas simultâneas no computador e no celular (acessos a youtube ou outros sites, normalmente em busca de entretenimento, troca de mensagens, jogos eletrônicos, chamadas telefônicas convencionais etc.), o que ocorre muitas vezes com a TV ligada - o dever de casa acaba sendo feito em meio a essa confusão, ou é deixado para a última hora, ou simplesmente não é feito.
b) o uso excessivo e mal gerenciado do computador e do celular resulta,  possivelmente em 100% dos casos, em fracasso escolar ou, no mínimo, em significativa redução da aprendizagem e do desempenho;
c) o uso excessivo e mal gerenciado do computador e do celular decorre do fácil acesso dos jovens a esses equipamentos e da ausência de um monitoramento adequado por parte de um adulto, o que normalmente ocorre quando pai e mãe trabalham fora de casa;
d) o uso excessivo e mal gerenciado do computador e do celular é ainda mais danoso do que o uso excessivo e mal gerenciado da TV, porque: os estímulos que o computador e o celular oferecem são muito vezes mais intensos e, por isso, mais atraentes do que os estímulos da TV e muito mais atraentes do que as tarefas escolares, que acabam sendo mal feitas ou simplesmente não sendo feitas; além de altamente atraente, cada interação via computador e celular é normalmente muito rápida e superficial, o que faz com que tenha mais valor para o usuário jovem a quantidade do que a qualidade das interações; isso significa que vale mais pular de uma tarefa para outra do que se deter em cada tarefa, ou seja, vale mais a dispersão do esforço ligeiro num sem-número de tarefas do que o esforço concentrado e qualificado em cada tarefa; estudos, ainda incipientes, começam a apontar que a memória retém mais a experiência excitante proporcionada por computadores e celulares do que a experiência intelectual com a maioria das tarefas escolares, quer dizer, a mente esquece mais facilmente os conteúdos escolares do que os conteúdos veiculados pelo computador e pelo celular, que são mais excitantes, mas são menos profundos e consistentes.
e) educadores se dividem quando se trata do uso da tecnologia na escola: alguns acham que poderão conquistar os estudantes se introduzirem cada vez mais o computador na sala de aula, como forma de aproximação com os tecnodependentes; outros acham que essas táticas reforçam o problema.
E, para você, o que falta dizer?

domingo, 21 de novembro de 2010

O apelo dos polos

Interessante artigo de Naercio Menezes Filho, no Valor Econômico da última sexta, dá conta de um fenômeno que atinge o mercado de trabalho mundial: o crescimento maior da renda tanto no segmento de menor qualificação quanto no de maior qualificação.
O segmento de qualificação intermediária ou perde renda ou tem ganhos menores.
Naercio faz dois alertas:
1) é preciso realizar mais pesquisas para conhecer e compreender melhor o fenômeno, embora apresente já em seu artigo algumas explicações.
2) é preciso encontrar medidas para impedir que o segmento de menor qualificação, atraído por ganhos crescentes, não se conforme com o seu nível de qualificação atual.
Seria, de fato, gravíssimo se as pessoas que hoje possuem menor qualificação decidissem se acomodar em seu estágio atual, já que acumulariam perdas, caso decidissem evoluir para uma condição de média qualificação.
Alguns dados que Naercio apresenta, referentes a quatro grupos educacionais no Brasil, no período entre 1995 e 2009:
- o salário médio dos analfabetos e pós-graduados aumentou em 36%;
- já o salário médio dos trabalhadores com educação básica (ensino fundamental e médio) recuou em 10%;
- enquanto isso, o salário médio dos graduados mas não pós-graduados cresceu 3%.
 Uma das perguntas a serem respondidas por pesquisas futuras seria:
- Será que, entre os trabalhadores que têm somente a educação básica ou apenas a graduação, não obtêm maiores ganhos aqueles que tiveram acesso a uma educação de melhor qualidade?
Uma resposta afirmativa a essa questão poderia ser um fator a mais para que os brasileiros lutem mais por educação de qualidade, em vez de se conformarem com pouca educação.
E, pra você, o que falta dizer?

sábado, 20 de novembro de 2010

O pio nada pio da oposição

A oposição no Brasil é uma piada porque não tem projeto e na maioria das vezes sequer tem posição.
A oposição no Brasil é uma piada porque é fraca e desunida, e sua desunião a torna ainda mais fraca.
A oposição no Brasil é uma piada porque, mesmo com o megaescândalo do mensalão, não conseguiu o impeachment do presidente Lula, tampouco conseguiu impedir sua reeleição.
A oposição no Brasil é uma piada porque, num país ainda tão desigual, insiste em ser elitista.
A oposição no Brasil é uma piada porque não faz oposição.
A oposição no Brasil é uma piada porque não conseguiu derrotar uma candidata à Presidência completamente desconhecida e insossa.
A oposição no Brasil é uma piada porque é ou intelectualmente pífia ou moralmente suspeita, e às vezes é uma coisa e outra.
Ser situação contra uma oposição dessas é pinto.
E, pra você, o que falta dizer?

Bom dia, democracia (3)

Depois da morte do último dos partidos, o PT, os brasileiros participam da política nacional sobretudo por meio de dois instrumentos:
a) o voto;
b) a pesquisa de intenção de voto ou de opinião.

É muito pouco para quem aspira a uma democracia vigorosa ou ao menos razoavelmente viva e atuante.

Há, lógico, outras formas, como, por exemplo, a iniciativa popular para a apresentação de projetos de lei, como se viu no caso do Ficha Limpa.

Mas esse é um instrumento esporádico e tende a ser utilizado mais como um veículo da vontade ou dos sentimentos difusos expressos nas pesquisas de opinião. O projeto inicial do Ficha Limpa é inequívoco a esse respeito. Apesar de ter sido elaborado por juristas e lideranças políticas, ele continha inconsistências e exageros próprios do senso comum dos cidadãos.

A mídia tradicional, por sua vez, além de representar interesses muito restritos, tende a ser mais efetiva quando busca despertar no público reações de curto prazo. De um modo geral, suas posições mais influentes são aquelas que já encontram um respaldo considerável na opinião pública. As autoridades sabem disso e normalmente "se lixam" para as investidas midiáticas que não encontram um eco maior entre amplos setores da população. Mesmo quando abre espaço para a pluralidade de ideias, sua influência é restrita, já que o número de leitores de jornais e revistas no país é muito pequeno; isso se aplica também ao número de pessoas que têm acesso a canais de TV por assinatura, que concedem mais espaço ao debate, a partir de posições distintas.

A internet, por ora, é também um espaço de pouco cultivo do debate e se presta mais a um tipo de participação que é, na prática, quase uma não participação. Refiro-me ao adesismo e ao espírito de torcida que impera entre os internautas, quando o assunto é política.

São poucas as pessoas que se dispõem a ler sites, blogs ou acompanhar tuiteiros com posições diferentes das suas.

Depois, eu continuo.

E, para você, o que falta dizer?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O fim de Fidel

Inspirado em Isaiah Berlin, eu já havia chamado Fidel de egocrata, em texto satírico publicado no meu finado blog Sparagmós.
Na mesma linha satírica, eu chamo o socialismo cubano de socialismo veterinário.
Por quê?
Porque a educação e a saúde, grandes vitrines históricas do regime, além do esporte, são cultivadas em Cuba aquém do ideário humano, pelo menos segundo uma ótica humanista.
A educação cubana é veterinária, porque segue a lógica do adestramento.
Por quê?
Porque, sem liberdade de expressão, pensamento e cátedra, há apenas adestramento e não há educação propriamente humana.
A saúde cubana é veterinária, porque segue a lógica da mera ausência de doença, pelo menos das doenças mais facilmente perceptíveis, como são as doenças infecto-contagiosas.
Ora, a saúde humana, segundo a Organização Mundial da Saúde, é mais que ausência de doença; é mais, inclusive que bem-estar. Saúde, para a OMS, que adota uma concepção humanista, é qualidade de vida.
Por que a saúde cubana é veterinária?
Porque não se pode falar ainda em saúde humana e em qualidade de vida onde não há e não está previsto haver liberdade de expressão, de participação política, de cátedra etc.
Fidel renunciou à liderança do Partido Comunista.
É o fim de Fidel.
Mas ainda não do socialismo veterinário em Cuba.
E, para você, o que falta dizer?

Bom dia, democracia (2)

O estabelecimento, na Constituição de 1988, de um Executivo superforte se assenta, culturalmente, em nossa tradição autoritária.
De 1988 para cá, essa superforça do Executivo tornou-se ainda mais forte.
A implantação do parlamentarismo poderia ter corrigido ou amainado essa superforça, mas a sociedade brasileira optou por manter o presidencialismo quase-imperial.
O PT foi um importante fator de manutenção do presidencialismo, precisamente porque queria, por meio do voto popular, chegar à Presidência e ter acesso aos superpoderes desse quase-império.
A história recompensou o PT generosamente; recompensou sobretudo o presidente Lula.
Na época de Collor, que veio a ser deposto por um processo de impeachment, o nosso Executivo já era superforte.
Como, então, foi possível destituir o quase-imperador?
A resposta é econômica e política.
Do ponto de vista econômico, Collor afrontou os interesses de importantes setores das elites, decepcionou setores da classe média e frustrou as expectativas dos "descamisados".
Do ponto de vista político, Collor nunca havia contado com os setores mais dinâmicos e organizados da sociedade.
Tampouco, teve a capacidade de cooptar e manipular o Legislativo, porque, embora o Congresso seja um órgão assujeitado, ele cobra um pequeno pedágio pelo seu assujeitamento.
Além disso, os principais veículos de comunicação que haviam ajudado Collor a se eleger, a partir de certo momento lhe retiraram o apoio.
Lula aprendeu a lição.
Do ponto de vista econômico, satisfez interesses imediatos de todos ou de quase todos os segmentos.
Os retornos políticos da gestão econômica ajudaram Lula a cooptar e manipular o Congresso.
Os setores mais dinâmicos e organizados da sociedade perderam dinamismo e capacidade crítica e aderiram em boa medida à máquina governamental.
Os principais veículos da mídia ou se distanciaram de Lula ou mantiveram uma postura de crítica, às vezes, feroz; isso se revelou insuficiente, diante do amplo reconhecimento obtido pelo governo na área econômica e do adesismo das organizações populares. Além do mais, Lula sempre ou quase sempre contou com importantes veículos do chamado segundo time da grande mídia escrita e televisada.
Collor teve seu escândalo de corrupção e caiu.
Lula também teve o seu, mas, em vez de cair, se fortaleceu e conseguir fazer como sucessora uma mulher até há pouco tempo completamente desconhecida do eleitorado brasileiro.
No entanto, não foi apenas Lula que saiu mais forte.
O Executivo, como superpoder, tornou-se ainda mais poderoso.
O povo brasileiro, em conformidade com sua longa tradição autoritária, reafirmou não meramente o "é a econômica, estúpido" ou o terrível "rouba, mas faz", mas, ao lado desses, o autoritário "quem manda mesmo é o presidente".
Depois eu continuo.
E, pra você, o que falta dizer?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Bom dia, democracia (1)

Como vai a democracia brasileira?
Bem, porque a sombra de um golpe de Estado não paira sobre ela.
Ou seja, tudo indica que nossa democracia não corre riscos de se tornar uma ditadura.
Mas, afora esse importante aspecto, como vai a democracia brasileira?
Bem, porque, à exceção de casos como a censura judicial contra o Estadão, no caso do filho do senador Sarney, há ampla liberdade de expressão no país. Mesmo o maniqueísmo petista, com sua mania agressiva de rotular e patrulhar, causa no máximo danos muito limitados à democracia. E na última eleição, o fundamentalismo religioso ou o antinordestinismo também não conseguiram atuar como fenômeno inibidor da liberdade de expressão.
Mas, afora tudo isso, como vai a democracia brasileira?
Não muito bem.
Nossa governabilidade e continuidade institucional, se evita a ditadura, fortalece o autoritarismo, porque, entre nós, o Executivo é um superpoder.
No presidencialismo brasileiro, o Legislativo conta muito pouco, e isso não é bom para a democracia.
Dentro do próprio Legislativo, os presidentes da Câmara e do Senado, juntamente com os líderes dos maiores partidos, têm poder demais, e isso não é bom para a democracia.
O fato de o Executivo ser um superpoder e de, dentro do próprio Legislativo, vigorar o império dos presidentes e dos principais líderes, sustenta a vigência de uma governabilidade autoritária.
Somos uma democracia, mas somos uma democracia com um importante viés autoritário.
Depois, eu continuo.
Até aqui, para você, o que falta dizer?

Atraso livre e socializado

No Brasil, ainda são muito fortes as duas principais macroideologias do século XIX: o liberalismo e o socialismo.
Na prática, porém, nossos liberais e socialistas se tornaram social-democratas.
Mas não social-democratas no sentido mais próprio do termo.
O social-democrata propriamente dito é um entusiasta tanto da equidade social quanto do mercado; por isso, preza, em igual medida, a responsabilidade social e a liberdade individual, tanto política quanto econômica.
Os nossos liberais são social-democratas a contragosto; defendem a equidade social somente porque se tornou impossível politicamente não defendê-la.
Os nossos socialistas são social-democratas também a contragosto; defendem o mercado somente porque não há mais clima político para a defesa do socialismo em nosso país, pelo menos não fora de miniguetos políticos.
Se nossos liberais e socialistas entraram à força e precariamente na lógica social-democrata, imaginem sua dificuldade em agregar à defesa do mercado e da equidade uma nova bandeira, a do desenvolvimento sustentável.
Acho que esses dois grupos ideológicos estão bem atrasados.
E, como têm muita força em nosso país, dão uma bela força para o nosso atraso.
E, pra você, o que falta dizer?

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A atribuição de distribuir

Entre 1930 e 1980, o Brasil foi um dos países que mais cresceram economicamente.
Mas o Brasil cresceu investindo pouco em educação.
Quando se cresce investindo pouco em educação, o país cresce, mas dificilmente o povo cresce junto com o país. Ou, se cresce junto, cresce muito menos do que poderia.
Ou seja, com pouco investimento em educação, a distribuição da riqueza é menor.
Além disso, com pouco investimento em educação, o crescimento é menor e são bem maiores as chances de que o crescimento mais cedo ou mais tarde se transforme em estagnação ou mesmo diminuição da riqueza.
Por isso, entre outras razões, o Brasil dos anos 1980 e 1990, depois de 50 anos em que o crescimento foi a regra, não crescia mais e era particularmente desigual.
A Constituição de 1988 foi, em boa medida, uma crítica à época do crescimento sem distribuição.
Em suas entrelinhas ou em suas linhas, a Constituição afirma o princípio de que, mesmo sem crescer, o país tem que distribuir a riqueza.
E como a Constituição criticou a falta de distribuição?
Por meio do estabelecimento de uma série de direitos.
Inclusive o direito à educação.
Mas a educação que faz o país crescer mais e por mais tempo e faz o povo crescer junto é, antes de tudo, a educação de qualidade.
E a Constituição de 1988, inclusive com as emendas que recebeu, se refere à educação de qualidade.
O Brasil, porém, ainda não foi capaz de produzir educação com a qualidade necessária.
Mesmo assim, mesmo sem educação de qualidade o Brasil distribui a riqueza.
Porque a Constituição obriga.
Por isso, FHC distribuiu a riqueza.
Por isso, Lula distribuiu ainda mais.
Mas isso tudo poderá acabar ou pelo menos a distribuição da riqueza, se as coisas continuarem como estão, nunca será entre nós o que poderia ser.
Porque sem educação de qualidade, o país vai tender a crescer cada vez menos e, por isso, vai ter menos do que poderia para distribuir e vai ter menos capacidade de distribuir.
E, pra você, o que falta dizer?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Educassação

É mandatório que todo candidato a um cargo público mencione a educação como prioridade, ainda que à base de frases vazias.
É mandatório, também, que um presidente eleito, num país com um déficit educacional alarmante como o Brasil, mencione a educação como prioridade, ainda que à base de frases vazias.
Mas em uma de suas primeiras declarações como presidente eleita, Dilma Rousseff afirmou que, em seu governo, a saúde e a segurança seriam as prioridades, uma vez que a educação, segundo suas palavras, "está bem encaminhada".
Isso significa que, nem à base de frases vazias, a educação é mais "uma prioridade nacional".
A educação, já nas primeiras palavras da presidente, perdeu sua majestade, seu trono de araque.
A educação foi cassada.
Deem uma lida no primeiro editorial da Folha de hoje.
É sobre a educação em São Paulo.
E tudo o que se diz sobre a educação em São Paulo se aplica, talvez com maior gravidade, ao Brasil.
É um quadro desolador, de resultado pífios.
Mas a presidente eleita disse que, em seu governo, a saúde e a segurança serão as prioridades, uma vez que a educação "está bem encaminhada".
Bem encaminhada...
Pra onde mesmo?
E, pra você, o que falta dizer?

sábado, 13 de novembro de 2010

Método de migrar

Os marxistas são migrantes metodológicos.
Um exemplo: quando querem maldizer a modernidade, culpam o capitalismo.
Assim, o capitalismo seria o culpado, entre outras coisas, pelas 2 guerras mundiais e pela aceleração do desmatamento.
Porém, quando querem bendizer a modernidade, agradecem à ciência e à tecnologia.
Deveriam, contudo, agradecer, por uma questão de coerência metodológica, ao capitalismo.
Porque foi graças ao capitalismo que a ciência e a tecnologia se desenvolveram tanto nos últimos 500 anos e sobretudo nos últimos 150 anos.
Marx disse que o capitalismo subvertia e revolucionava todas as relações.
Ele disse isso, junto com Engels, em 1847, no Manifesto comunista.
Eles ainda não haviam visto nada.
Quase toda a vida moderna, para o mal e para o bem, está montada sobre o petróleo.
Mas a origem da moderna importância do petróleo está no sucesso de sua perfuração ocorrido pela primeira vez no ano de 1859, na Pensilvânia, mais de 11 anos depois que o Manifesto havia sido escrito.
Marx e Engels, portanto, ainda não havia visto a enorme capacidade de subverter e revolucionar as relações que, à base do petróleo, o capitalismo iria revelar nas décadas seguintes.
O petróleo só se tornou o que ele é hoje graças aos empresários do petróleo, cujo pioneiro foi George Bissel.
Ou bem os marxistas passam a maldizer os progressos da ciência dos últimos 150 anos, ou bem passam a bendizer o capitalismo.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Upa! Upa!

Upa! upa!
Tem gente selando o cavalinho do Ministério da Saúde.
Upa! upa!
Tem gente fazendo a corte ao SUS.
Upa! upa!
Tem gente que acha que o SUS é só UPAs e uns detalhezinhos a mais.
Upa! upa!
Tem gente com ficha não muito limpa e não muito saudável de olho no ministério da Saúde.
Upa! upa!
Dizem que ele inventou a UPA, mas o que se sabe é que está desinventando o SUS.
O sr. Sergio Côrtes, secretário de Saúde do estado do Rio e maior candidato do momento a ministro da Saúde, na base do populismo sanitário, está enfraquecendo o SUS como proposta de uma rede coerente, articulada e espalhando miniprontos-socorros pelo estado.
As UPAs são uma boa proposta, desde que não enfraqueçam a atenção primária, desde que não substituam a promoção e a prevenção, desde que não sejam mais uma maneira de fortalecer uma lógica curativista, medicamentosa e hospitalocêntrica.
Mas é a isso que as UPAs, inventadas pelo sr. Côrtes, estão se prestando no Rio.
Cura rápida e na porta de casa para todos!
Vich, que o povo gosta! E depois paga o pato...
E o sr. Côrtes está às voltas com denúncias de corrupção.
E o sr. Côrtes está apeando seu cavalinho para viajar até Brasília e assumir o ministério.
Upa! Upa! Durma com um barulhinho desses...
E, pra você, o que falta dizer?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Liberado para a realidade

Há um tempo disse que a política externa de FHC não tinha personalidade, enquanto a de Lula não tem caráter.
Diante de protestos contra a crueza da frase, refaço-a com sinônimos mais elevados, seguidos da devida explicação.
A política externa de FHC era liberal; a de Lula é realista.
Liberais são mais atentos à globalização econômica; realistas, à geopolítica.
Liberais são mais cosmopolitas; realistas, mais nacionalistas.
Liberais creem mais na interseção de interesse dos vários atores internacionais; realistas, na soberania e autodeterminação nacional.
Liberais creem mais na diplomacia; realistas, mais na força.
Liberais, como bons herdeiros de Locke, creem no contrato, no acordo, no tratado, no entendimento; realistas, como bons herdeiros de Hobbes, na hegemonia de um aspirante a Leviatã internacional.
Não sou liberal nem realista; ou melhor, posso ser um ou outro, a depender das circunstâncias.
E, a depender das circunstâncias, posso não ser nem um nem outro.
Sigo aquilo que se popularizou entre policy makers ingleses de meados da década de 1990 como "a necessidade de fazer o que funciona".
Acho que essa é uma postura teórica mais livre (e mais rigorosa) e mais consentânea com os desafios apresentados pela realidade.
Mas na nossa re-tumba-nte necrocracia, importa mesmo é assumir posições rígidas.
Bem entendido: rigor é coisa de gente viva e inteligente; rigidez é coisa de cadáver.
E, pra você, o que falta dizer?

De só tem tu a eu te amo

Em 2005, a oposição apontou o dedo contra Lula: - Mensalão!
Não queria depô-lo, somente inviabilizar sua reeleição.
Mas Lula se apoiou no cínico "eu não sabia" e no verdadeiro "corrupta a oposição também é".
Depois de oito anos de autismo liberal tucano, o povo queria um governo com viés social e nacionalista.
Lula era a única opção.
Porém, como uma noiva que agrega ao casamento por conveniência uma boa dose de romance, o povo viu em Lula um grande herói.
Já haviam se casado, povo e Lula, em 2002; e com toda a circunstância.
2005 e o mensalão foram a grave crise que todo casamento deve enfrentar.
Da crise surgiu um amor ainda mais arrebatado.
Lula não é esse marido todo que pintam.
Mas o povo também não se julga essa noiva toda.
Realisticamente, o povo se agarra ao que tem.
Porém, reinventa com as cores da fantasia um amor que é, se muito, pouco mais que medíocre.
E o mesmo enredozinho aguarda Dilma.
Será que vai funcionar?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Boys don't cry (4)

Os homens são especificamente vulneráveis porque morrem mais nas guerras.
Os homens são especificamente vulneráveis porque, independentemente das guerras, são biologicamente mais propensos que as mulheres à mortalidade infantil e a uma velhice mais curta.
Os homens são especificamente vulneráveis porque morrem mais de infarto.
Os homens são especificamente vulneráveis porque bebem mais.
Os homens são especificamente vulneráveis porque fumam mais.
Os homens são especificamente vulneráveis porque se envolvem mais em conflitos violentos.
Os homens são especificamente vulneráveis porque,  em muitos segmentos, tendem a estudar menos que as mulheres.
Os homens são especificamente vulneráveis porque são vítimas de tráfico humano, mas, diferentemente do que ocorre com mulheres e crianças, quase ninguém sabe disso.
Os homens são especificamente vulneráveis porque a maior parte dos empregos fisicamente extenuantes e perigosos são exclusivamente masculinos.
Os homens são especificamente vulneráveis porque vão menos ao médico.
Os homens são especificamente vulneráveis porque sofrem de depressão pós-parto e ninguém sabe disso.
Os homens são especificamente vulneráveis porque, quando são vítimas de agressão feminina, têm vergonha de revelar e não têm especificamente a quem denunciar.
Os homens são especificamente vulneráveis porque são constrangidos a ostentar permanente potência sexual.
Os homens são especificamente vulneráveis porque quase ninguém sabe que os homens são especificamente vulneráveis, e a maioria dos que sabem acha que as vulnerabilidades específicas que atingem os homens são pouco sérias ou mesmo folclóricas.
Os homens são especificamente vulneráveis porque a falta de atenção social e estatal às vulnerabilidades que os atingem abala sua saúde mental.
Os homens são especificamente vulneráveis porque todos - pai, mãe, filhos, amigos, amigas, namorada, esposa, eventuais amantes, a mídia etc. - ajudaram os homens a ser como são e a se comportarem de forma muitas vezes arriscada, mas poucos querem ajudá-los a sair dessa.
E, pra você, o que falta dizer?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O intruso entusiasmo

O segundo turno reacendeu o entusiasmo petista.
Não penso no conteúdo desse entusiasmo.
Penso somente no entusiasmo.
O entusiasmo é poderoso.
O entusiasmo petista tem muito de demodê e dogmático, é verdade.
Mas é entusiasmo.
O entusiasmo petista serve para nos lembrar que tem lugar para o entusiasmo na política.
Os marqueteiros e seus candidatos pré-fabricados acham que não.
Dilma, porém, libertou-se de seu molde marquetado sob o impulso do entusiasmo petista.
Ela se entusiasmou e realimentou com seu entusiasmo o entusiasmo petista.
Tem lugar para o entusiasmo na política.
Um entusiasmo menos demodê e dogmático seria muito bem-vndo.
De onde ele virá, se é que virá?
E, pra você, o que falta dizer?

Boys don't cry (3)

Certa vez, entre doutos, indaguei:
- Se uma mulher apanha do marido e não o denuncia, a culpa é dela ou do machismo?
- Do machismo, óbvio, todos responderam.
Continuei:
- Isso significa que ela precisa de apoio da sociedade e do Estado para fazer valer seu direito a uma vida melhor, certo? Pois ela não pode lutar sozinha contra uma força cultural tão forte quanto o machismo, certo?
- Óbvio, óbvio, todos disseram.
Eu:
- Isso significa que precisamos de políticas públicas pró-mulheres contra o machismo, certo?
Eles:
- Óbvio, óbvio.
E se um homem se embriaga e estoura o carro contra um poste, isso é culpa dele ou do machismo?
Só um disse:
- A culpa é dele, óbvio.
Os outros ficaram em silêncio, pensando.
Para manter a coerência, só podemos admitir que a culpa seja do machismo, certo?
Mais silêncio.
Até que um disse:
- Cara, ele tem razão!
Se eu tenho razão, a única conclusão razoável é que, do mesmo modo que as mulheres, os homens não podem lutar sozinhos contra o machismo.
Ou seja, os homens precisam de apoio da sociedade e do Estado, para exercerem o seu direito a uma vida melhor.
Os homens precisam de políticas públicas que os protejam do machismo.
E, pra você, o que falta dizer?

Boys don't cry (2)

Anteontem, Miriam Leitão lamentou que, embora sejam cada vez mais escolarizadas que os homens, as mulheres continuam ganhando menos.
Por que as mulheres ganham menos?
Por causa do machismo, óbvio.
Mas Miriam Leitão se esqueceu de perguntar: por que os homens estão ficando para trás no quesito escolaridade?
A resposta a essa pergunta não feita seria a mesma:
- Por causa do machismo, óbvio.
É curioso (e lamentável) que Miriam Leitão - e a maioria esmagadora das pessoas que lutam contra desigualdades - não lutem contra todas as formas de iniquidade.
A tendência dos homens a ficarem para trás das mulheres na escolaridade é uma forma de iniquidade.
E essa iniquidade tem origem no machismo.
Só que, nesse caso, o machismo vitima os homens, não as mulheres.
A cultura do machismo já foi compensadora para homens e mulheres.
Por exemplo, antigamente era honroso para um homem ser capaz de sustentar a si próprio e a sua esposa, assim como era honroso para uma esposa ter um marido que a sustentasse.
Hoje, dado o seu adiantado grau de obsolescência, a cultura do machismo já não interessa muito (ou não interessa nada) a homens e mulheres.
Muita gente, faz tempo, descobriu que o machismo fere as mulheres.
Muita gente, porém, ainda não entende que o machismo também fere os homens.
A tendência à baixa escolaridade relativa dos homens é uma manifestação disso.
Muitos homens ainda acham que basta ser bravo e forte e que estudar "não é coisa de macho".
E, pra você, o que falta dizer?

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Politicídio

Ouvi as declarações ontem de um dos governadores vitoriosos.
Que diferença das declarações de início de campanha.
O governador aprendeu muita coisa nesses meses.
O que significa que ele não teve o menor escrúpulo de concorrer sabendo muito pouco sobre a realidade da população que ele irá governar e ignorando também as soluções mais aceitas e plausíveis.
Por que tanto despreparo?
E por que esse despreparo foi tão comum, inclusive entre os candidatos à Presidência?
Uma resposta, entre pelos menos algumas outras: a deterioração da política nos últimos anos no Brasil.
O PT era um importante espaço de discussão e atividade política.
Mas o PT morreu e os antigos militantes ou bem se tornaram servidores públicos ou passaram a acompanhar a política, em vez de vivê-la e construí-la.
O PSDB e o DEM retrocederam à condição de meros chicaneiros, se é o que o DEM já foi algo mais que isso.
Outros partidos aderiram ao amorfo ou morto PT.
E o PMDB não se interessa por discussão política (nos dias de hoje qual partido quer mesmo discutir política?).
Sobrou o presidente Lula com suas decisões palacianas e seus fatos consumados.
Não o condeno inteiramente. Afinal, Lula encontrou um meio de contrariar pouco cada ator ou grupo de atores do espectro político nacional, e foi essa pouca contrariedade de todos, somada com muitos agrados concedidos à maioria, que propiciou sua popularidade.
Ou bem Lula se mantinha autocrático e palaciano ou teria que entrar em um processo de negociação à luz do dia com atores muitos deles totalmente discrepantes uns com os outros.
Porém, o palacianismo de Lula somado à tibieza da oposição e dos outros partidos condenou o Brasil à ausência ou quase ausência de discussão política.
Discutimos normalmente se Lula errou ou não em vez de discutirmos o que  ele deveria fazer para acertar.
Essa morte ou férias da política tem que acabar.
"Tem que acabar" soa grave; mesmo assim isso não significa que a política vai mesmo voltar a dar o ar da graça nos anos Dilma.
E, pra você, o que falta dizer?

Necrocracia

Luciano escreveu o Diálogo dos Mortos.
Nós prescrevemos o governo dos mortos, remédio veneno para o Brasil.
Já disse e repito: PT e PSDB são dois partidos cadáveres que disputam o comando político de um país cada vez mais vivo.
Quem sabe, esses quatro anos não servem para a gente fortalecer e aperfeiçoar uma candidatura tipo Marina.
Quem sabe, Aécio não consegue formular uma plataforma pós-PT e pós-PSDB.
Quem sabe, Eduardo Campos não diz a que veio como político nacional.
Quem sabe, Lula não volta repaginado, menos terceiro-mundista.
Quem sabe, a gente por aqui não diz tanta coisa que falta dizer.
Que tal você dizer o que falta dizer?

Jesus não tem presidente no país dos banguelas

Não fiquei feliz com a vitória de Dilma.
Tampouco fiquei triste.
Vocês sabem, eu estava naquela de nulo neles.
Mas fiquei feliz com o fato de o fundamentalismo religioso não haver decidido as eleições.
Se Dilma tivesse perdido, eu não iria derramar lágrima nenhuma.
Porém, se ela viesse a perder por obra do fundamentalismo religioso, isso iria me fazer derramar muitas lágrimas pela democracia brasileira.
Nesta eleição, o voto de Jesus e de Deus não contou.
Que bom.