quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Liberado para a realidade

Há um tempo disse que a política externa de FHC não tinha personalidade, enquanto a de Lula não tem caráter.
Diante de protestos contra a crueza da frase, refaço-a com sinônimos mais elevados, seguidos da devida explicação.
A política externa de FHC era liberal; a de Lula é realista.
Liberais são mais atentos à globalização econômica; realistas, à geopolítica.
Liberais são mais cosmopolitas; realistas, mais nacionalistas.
Liberais creem mais na interseção de interesse dos vários atores internacionais; realistas, na soberania e autodeterminação nacional.
Liberais creem mais na diplomacia; realistas, mais na força.
Liberais, como bons herdeiros de Locke, creem no contrato, no acordo, no tratado, no entendimento; realistas, como bons herdeiros de Hobbes, na hegemonia de um aspirante a Leviatã internacional.
Não sou liberal nem realista; ou melhor, posso ser um ou outro, a depender das circunstâncias.
E, a depender das circunstâncias, posso não ser nem um nem outro.
Sigo aquilo que se popularizou entre policy makers ingleses de meados da década de 1990 como "a necessidade de fazer o que funciona".
Acho que essa é uma postura teórica mais livre (e mais rigorosa) e mais consentânea com os desafios apresentados pela realidade.
Mas na nossa re-tumba-nte necrocracia, importa mesmo é assumir posições rígidas.
Bem entendido: rigor é coisa de gente viva e inteligente; rigidez é coisa de cadáver.
E, pra você, o que falta dizer?

4 comentários:

  1. Caro Manoel, eu sempre tive a certeza de que você foi para a capital do mundo para brilhar. E veja que já começou fazendo com muito mais propriedade um comparativo entre liberalismo (FHC) e realismo (Lula). Gostei. Mas falta dizer o seguinte: que história é essa de "Não sou liberal nem realista; ou melhor, posso ser um ou outro, a depender das circunstâncias.
    E, a depender das circunstâncias, posso não ser nem um nem outro". Isso é uma mistura de Raul Seixas com Gilberto Gil? Ou não? Bem, como não sou capaz de decifrar essa brilhante cabeça, fico no aguardo de uma posição.
    Aproveito a oportunidade para desejar ao amigo muito sucesso aí na Terra do Tio San. Não esqueça que ele está querendo conhecer a nossa batucada, mas ainda não apareceu lá na Mangueira.

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  2. meu querido: é simples. na política externa, como na política pública em geral, deve prevalecer o pragmatismo do bem, ou seja, o que funciona para melhorar a vida das pessoas e favorecer os interesses do país, em consonância com ideais humanistas. às vezes, é o liberalismo que melhor atende a isso; às vezes, é o realismo; às vezes, não é nem um nem outro.
    no Brasil, lamentavelmente, temos o péssimo hábito do adesismo e do seguidismo. queremos aderir a um partido ou seguir uma linha teórica ou ideológica, acriticamente. nos preocupamos pouco com resultados, e mais com fidelidades "ideológicas". já disse: isso combina muito bem quando se trata de torcer por seu flu ou meu fla. infelizmente, gostamos de ser colonizados por grupos e teorias. acho melhor ser livre, para usar as teorias e as linhas políticas e ideológicas da forma como melhor convém a cada momento, visando atingir o bem.
    é isto.
    gd abraço e superobrigado por seu comentário.
    (saudade de vc, amigo).

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  3. Eu ainda prefiro a distinção entre a falta de personalidade e a falta de carater. Traduzir a ultima como "realista" é generosidade ou cerimônia sua. Se FHC foi liberal, Lula foi - isto sim - stalinista, se alinhando com ditaduras, latinoamericanices, subalterno na INdefesa de nossa soberania qd tivemos refinarias surrupiadas ou acordos - Itaipu- ameaçados, bravatas rádioxiitas etc.

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  4. olá e muito obrigado por seu comentário.
    apenas quis me valer, dessa vez, da terminologia própria das relações internacionais.
    os realistas normalmente afirmam o poder nacional às expensas dos valores, numa espécie de vale-tudo nacionalista.
    não me retratei quanto ao conteúdo, mas procurei enriquecê-lo com o aporte terminológico e conceitual das R.I.
    O chico buarque disse que o brasil não falou grosso com a bolívia nem falou fino com os estados unidos.
    mas se esqueceu de acrescentar: falamos fino com a bolívia e grosso demais com os eua.
    gd bç.

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