sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Não fui eu que disse

Reproduzo abaixo artigo de João Basílio Pereima sobre independência do BC, publicado no Valor de hoje.


A política monetária e os instrumentos múltiplos



Quando se fala em independência da autoridade monetária, deveríamos nos referir a independência nos dois sentidos e não apenas em relação ao uso político, como tem sido a ênfase até o momento. Isso ficou evidente, mais uma vez, com os recentes aumentos na taxa de inflação e com a pressão para elevação de juros.

Há dois pontos importantes que merecem ser discutidos: a urgência em elevar juros, bem como a própria escolha da taxa como único instrumento de combate à inflação. O modo como o Banco Central se comportará em relação aos dois pontos definirá doravante sua tão propalada independência.

No que se refere à urgência, pode-se argumentar o seguinte. A inflação de novembro, medida pela IPCA, acusou variação de 0,83% no mês. Por um lado, é preocupante, pois o resultado de novembro completa cinco meses consecutivos de aceleração inflacionária, fato este que não ocorre desde a implantação do sistema de metas em 1999. Ocorreram vários episódios de três meses consecutivos de aceleração abortadas no quarto mês com desaceleração, mas nunca um de cinco.

Enquanto o fator tendência reclama urgência na reação da autoridade monetária e exige aumento de juros já, tornando-o um fato consumado na próxima reunião do Copom, os fatores sazonalidade e localização recomendam prudência e relativizam o senso da urgência, no que fez bem o BC em manter a luz vermelha acesa e a taxa de juros constante, não fazendo nada por ora. O horizonte temporal de manobra da política monetária é maior do que creem os alarmistas. Ceder aos apelos da urgência é reduzir a independência e cair cativo de um grupo de pressão.Por outro lado, a inflação no Brasil possui componente sazonal elevado com costumeira aceleração nos meses de outubro, novembro e dezembro. Além disso, no caso de novembro último, somente o item carnes, que tem um elevado peso de 2,38 pontos na composição final do IPCA, aumentou 10,7% dentro do mês. Outro item com peso relativamente alto de 0,84 ponto é o açúcar, cuja inflação no mês foi de 5,01%. Juntos estes dois itens representam 0,30 ponto percentual do total de 0,83%.

A segunda questão importante doravante é o uso da taxa básica de juro como instrumento privilegiado na política monetária. A afirmação corrente de que inflação deve ser combatida com aumento juro está correta. O que está errado é afirmar que é somente isso que o Banco Central sabe e deve fazer. É como se após quase um século de ciência monetária, só conseguíssemos desenvolver uma tecnologia de intervenção baseada numa versão qualquer da regra de Taylor para política monetária. Os modelos macroeconômicos fazem isso por questão de simplicidade algébrica e para isolar canais. Modelos mais completos quando vertidos para versões simuláveis tornam-se tão indecifráveis quanto a própria realidade e perdem sua razão de ser: explicar muito com pouco. Disto não se segue que possamos sair por ai pregando aumento e baixa de juro como quem prega a palavra de Deus gritando ao vento.

Existem vários problemas no uso da taxa de juro como instrumento único. Primeiro o fato de que o efeito é decrescente e não linear. Partir de uma taxa de juros baixa e aumentá-la tem um efeito muito maior na inflação e expectativas do que partir de uma taxa elevada e aumentá-la ainda mais. Em segundo lugar, o uso cego e independente da taxa juros pode entrar em contradição com outras políticas macroeconômicas com resultado final nulo, de forma que o mais recomendado é coordenação de políticas e não competição. Em terceiro lugar há outros instrumentos monetários, que estão começando a ser usados pelo Banco Central e que o falso consenso macroeconômico dos anos 1990 e 2000 relegou a segundo plano, que são as políticas de redução de prazos de financiamento, redução de liquidez bancária, graus de alavancagem de operações e exposição de risco de carteiras. É claro que o setor financeiro não gosta de regulação, pois isso diminui o volume de operações. Mas não está no seu escopo e DNA pensar no todo. O quarto e último motivo é que o uso da taxa de juro, num contexto de economia aberta e mobilidade de capitais, pode causar sérios desequilíbrios em outros setores e mercados. Esta aí o câmbio sobrevalorizado, por conta de um longo período de desrespeito à paridade descoberta da taxa de juros. Não bastasse o Brasil ter a maior taxa real de juro do mundo, ele teria que aumentá-la ainda mais para evitar inflação. As consequências serão fomentar o já gigantesco "carry trade" que o aumento de IOF mal consegue deter. Aumentar o juro interno, num momento em que o mundo inteiro desvaloriza suas moedas para estimular exportações e crescer, é expor uma economia inteira às consequências de um câmbio valorizado, por conta de uma política monetária de um instrumento só.

Só um Banco Central independente de todos terá a liberdade necessária para levar em conta estas questões. Agirá muito bem o próximo governo se sua política for a de estender a independência do Banco Central para todos os segmentos da sociedade, de tal que forma que os formuladores de política econômica compreendam o momento adequado de usar coordenação macroeconômica e diferentes instrumentos de política monetária e não apenas um só. É um bom primeiro passo para se começar a reduzir os juros, ao invés de aumentá-los.

João Basilio Pereima é professor e vice-chefe do Departamento de Economia Universidade Federal do Paraná (UFPR). joaobasilio@ufpr.br

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