sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Não fui eu que disse

Reproduzo a seguir artigo bastante ponderado, publicado originalmente na Folha de hoje, sobre tendências do poder global.
O autor se distancia de avaliações, simplistas a meu ver, que apontam para o declínio do poder americano.

Predomínio ocidental está longe do fim 

MARCELO COUTINHO




Com a ascensão chinesa, muitos começam a diagnosticar a erosão do Ocidente na ordem internacional. Embora correta, é preciso qualificar a interpretação de que o mundo oriental emergente desloca o polo de poder. O sistema contemporâneo está se voltando na verdade para o Pacífico, e nada poderia ser pior para o Brasil.
Até o século 19, o sistema interestatal esteve na Europa. Após as duas Grandes Guerras, o poder atravessou o oceano Atlântico, partindo de Londres para a terra de Wilson e Roosevelt.
Durante a Guerra Fria, a ameaça soviética uniu o Ocidente na forma da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A divisão Leste-Oeste só acabaria com o fim do bloco socialista, consagrando a hegemonia ocidental.
As divergências no Ocidente sempre existiram, e a crise de Suez em 1956 abriu uma fissura entre europeus e norte-americanos. A Inglaterra subordinou-se à antiga colônia, enquanto a França de Charles de Gaulle ensaiou um projeto mais autônomo com a Alemanha.
Sarkozy levou os franceses de volta ao comando militar da Otan.
O Ocidente se reunificou do ponto de vista político, mas enfrenta uma grave crise econômica. É nítido o declínio das economias ocidentais diante dos países emergentes, que já respondem por metade do PIB e da produção mundial. Tais avanços econômicos podem se transformar em poder político.
No entanto, nada assegura um colapso inevitável do Ocidente: para sair de cena, seria necessário que nações como a China exercessem predomínio não só econômico, mas também político e cultural, o que não parece acontecer. Há décadas os países asiáticos implementam reformas voltadas para o Ocidente.
O centro do poder, na realidade, muda neste momento para o Pacífico, incluindo os EUA, dando continuidade ao movimento anti-horário que começou na travessia do Atlântico. Isso significa que a cooperação econômica da Ásia e do Pacífico (Apec) deve se tornar a organização regional mais importante do mundo, com a maior área de livre-comércio.
Os EUA seriam o fiel da balança entre um Oriente que sobe e uma Europa que desce. Situados entre oceanos e líderes da Otan e da Apec, os EUA seriam o entreposto de mercados e o principal avalista da segurança internacional.
Nesse caso, a hipótese de choque das civilizações de Huntington não poderia estar mais enganada, assim como os prognósticos sobre o crepúsculo americano.
No espaço de influência direta dos EUA no hemisfério Ocidental, o Brasil enfrenta grandes desafios diante das mudanças globais.
A Unasul é tenra flor, rodeada pela 4ª Frota e atraída pelo comércio no Pacífico, o que compromete os planos brasileiros de cooperação regional autônoma e de desenvolvimento industrial.
O fim do Ocidente pode não estar próximo: depois da crise, pode vir um novo ciclo inesperado de crescimento. Isso abriria os caminhos do Brasil. Mas, se a economia mundial perder mesmo dinamismo e se alojar definitivamente em mares distantes, teremos que nos adaptar, a um preço alto.


MARCELO COUTINHO é professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Laboratório de Estudos da América Latina (Leal).

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